O fio de Ariadne
Terese Segurado Pavão
OPENING
11 de abr. de 2022
CLOSING
11 de mai. de 2022
Ariadne oferece a Teseu uma espada e um novelo para que este entre no labirinto, mate o Minotauro e retorne em segurança. Para que tal aconteça, Ariadne mantém-se firme a agarrar a ponta do fio. É ela a estrutura que permite a Teseu fazer a sua jornada sem se perder no emaranhado de caminhos e becos. Ao intitular esta série de Fio de Ariadne, Teresa Pavão convida-nos a pensar sobre os seus múltiplos significados: metáfora da viagem de autoconhecimento? Símbolo da confiança e da complementaridade entre dois seres? Recordando outras estórias da mitologia grega, encontramos distintas mulheres que, através da sua arte e engenho, são também o garante da vida, da paz e da segurança. Relembremos, por exemplo, as três moiras (Cloto, Lachesis e Atropos), Aracne ou Penélope... Fio de Ariadne remete-nos, assim, para a ancestral arte de tecer, tradicionalmente vinculada com o universo feminino e o espaço doméstico, sendo exemplo do valor conceptual e da diversidade técnica da arte têxtil contemporânea. Nesta herança, recuamos tanto às sociedades primitivas onde a mulher que tece é a detentora (e transmissora) dos segredos e das memórias, como ao movimento moderno, nomeadamente à Escola da Bauhaus, quando a tecelagem é renovada através da experimentação de novas técnicas e da adoção de uma linguagem abstrata e geométrica, sem esquecer a importância que teve como expressão da arte feminista em 1960 e 1970. Fio de Ariadne é composta por doze obras com o mesmo formato vertical – o do bastidor retangular em ferro de secção quadrada com 23×32cm – mas diferentes profundidades. A sua dimensão e instalação ao nível do olhar requerem a nossa proximidade física para que as possamos ver de forma atenta, demorada, intimista. Contemplar cada uma das doze composições é descobrir diferentes padrões texturados e planos tácteis de cor, criados pelas formas diversas de entrelaçamento dos fios da trama com os fios da urdidura. É também reconhecer as diferentes espessuras dos fios de cânhamo, ráfia ou seda, os vários nós e enlaçados, as malhas de metal que se mimetizam com as malhas tecidas, ou os objetos e fragmentos de peças que nos são familiares que Teresa Pavão resgata e coleciona para os entretecer com a sua arte, concede-lhes uma nova significação. Dois, três ou cinco planos têxteis sobrepõem-se nos bastidores, em semelhantes intervalos, criando volumetria e profundidade. A conjugação de áreas mais ou menos saturadas em simetrias ou assimetrias gera composições geométricas com notas de luz e sombra, suspensão e movimento, vazio e matéria, som e silêncio, sugerindo uma métrica musical, mais evidente quando observamos a cadência das doze composições. A intencionalidade dada à torsão de cada fio e a minúcia de todo o detalhe fazem com que cada peça deva ser contemplada como um objeto tridimensional. Autora de uma obra onde integra a artesania, a arte e o design, transpondo fronteiras e pré-conceitos, Teresa Pavão aprofunda aqui o diálogo com a pintura, o qual tinha iniciado na série A Estratégia da Aranha (2019), ao reinterpretar as redes e grelhas das obras de Maria Helena Vieira da Silva. Esta série traz também à memória o anterior trabalho Tempo de Espera (2002) em que Teresa Pavão se apropria de um conjunto de cadeiras abandonadas e sem uso, explorando o sentido poético e estético das formas através do gesto de tecer planos têxteis nas suas “ossaturas” em metal ou madeira. Teresa Pavão pensa meticulosamente cada composição de Fio de Ariadne em termos visuais e construtivos. Cria pequenos sacrários que resultam do processo de transmutação e consagração de cada matéria utilizada, exteriorizando a sacralidade que pode existir em todos os aspetos do quotidiano.
Bárbara Coutinho